Os Planos de Deus e a pequenez humana II
sexta-feira, 27/01/2006, foi um dia que ficará marcado em minha memória. Foi um dia em que fui chacoalhado por Deus. Sabem aquela sensação de ver a vida passando diante de seus olhos? Experimentei algo mais ou menos assim. Senti-me pequeno, muito pequeno.Chequei do trabalho e minha esposa me recebeu. Estava feliz porque tinha arrumado toda a casa e preparado toda a comida para a festa que daríamos no sábado. Minha irmã, Anninha, estava com ela. Ela estava feliz, e eu preocupado. Só conseguia pensar que não daria tempo de arrumar o quintal, que o refrigerante não estaria gelado, que tínhamos que encher as bolas.
Ela me beijou e disse que eu relaxasse e fosse tomar um banho. Enquanto isso ela faria pizzas para lancharmos. Saí do banho ainda me sentindo preocupado, e fui verificar se o refrigerante estava gelado. Estava chovendo. Era chuva forte, mas eu já vi chuva forte antes.
Comecei a tirar do chão qualquer coisa que pudesse entupir o ralo. Sacos plásticos, panos, terra. Até então eu estava calmo. A água subia, mas eu estava tranqüilo. Até que notei que a água entraria no porão que fica embaixo da escada. Pensei em ir até lá. Anninha iria comigo. Mas não havia mais nada a fazer, a água estava entrando no porão.
Voltei para dentro de casa. Para lanchar e ver TV com minha família. Foi aí que ouvimos o barulho vindo do banheiro. Tudo borbulhava e o barulho era muito estranho. Pela lâmpada da cozinha pingava água. Apagamos a luz e olhamos para o banheiro, tentando descobrir o que significava aquele barulho.
Foi quando vimos a cena que ficará marcada em nossas memória: a água preta começou a subir pelo ralo. A água subia e nós não sabíamos o que fazer. Anninha disse para eu fechar a porta, mas era tarde, a água estava chegando à cozinha.
A velocidade da água era surpreendente. Tentamos manter a calma. Desliguei a geladeira e percebi que a água chegaria à sala. Em segundos a cozinha estava tomada daquela água negra. Anninha e Dja tiraram a TV e o DVD da sala e lavaram para o quarto, deixando-os em cima da cama. E a água chegou à sala.
Eu corria contra o tempo. A água parecia nos perseguir. Foi invadindo a sala tão rapidamente que chegou ao quarto enquanto ainda estávamos lá. “Os livros!” Anninha gritou, mas era tarde. Os livros que estavam na prateleira mais baixa já estavam molhados. Pegamos alguns e jogamos sobre as poltronas. Toda a casa estava cheia de água. Tínhamos que sair dali.
Dja abriu a porta, lutando contra a água que havia tomado a casa. E foi num clarão de raio que eu vi: a varanda estava completamente tomada. Não havia nenhum espaço que a água não houvesse tomado. Dja não conseguia sair. O desespero crescia com o nível da água. Anninha forçou passagem, empurrando minha esposa para fora e pedindo calma. Dja subiu no muro da varanda e chorou. Olhei para traz e vi que não havia mais o que fazer. Fui para a varanda, passei para o quintal e chamei Dja. A segurei firme e a tirei do muro.
Fomos para fora do quintal, na entrada da casa, onde é mais alto. A rua era um rio intransponível. Estávamos ilhados, molhados, e tremendo de frio. Dja chorava abraçada a Anninha. “Pai!” clamei. “Dá-nos Tua Paz Senhor! Nada podemos fazer contra essa água. Apenas dá Paz aos nossos corações.”
Meu Deus amado acalmou nossos corações. Dja parou de chorar e todos nos abraçamos, para nos aquecer. Os vizinhos do outro lado da rua não podiam oferecer qualquer ajuda. Agora só podíamos esperar.
Então o rio tornou-se mais raso. Podíamos ver o asfalto em algumas partes. Voltei ao nosso quintal, mas a água o tinha invadido quase todo. Eu queria entrar e fazer alguma coisa, mas Anninha e Dja me pediram para não ir. Então voltamos para a rua, e quando percebemos que a chuva perdia força, fomos para a casa de minha avó, que fica no quarteirão ao lado.
Minha avó demorou a entender o que estava acontecendo. A TV estava ligada e começava o telejornal. Soubemos que havia cinco mortos, e então eu pude perceber o quanto fomos abençoados. Pela primeira vez tive real compaixão por uma notícia de TV. Pela primeira vez aquela notícia não estava longe de mim.
Pela primeira vez eu senti na pele que eu não sou nada. Senti por aquelas pessoas que eu via na TV. Arrependi-me de ter criticado aqueles que moram em áreas de risco. Eles não tem opção. Não mesmo. Lembrei dos clientes que atendi na CAIXA, que diziam ter perdido os documentos em enchentes, e percebi que eles não eram descuidados, mas tão impotentes quanto eu.
Voltei à minha casa quando a chuva diminui. A água havia escoado e sobrava apenas lama. Liguei para minha avó e contei a situação. Dja e Anninha chegaram depois. Começamos a tirar a lama com rodo e vassoura. Dja me disse o quanto gostava de nossa casa. Lembrou-se de que nós fizemos tudo ali com nossas mãos, mas não queria mais ficar ali. “Se você arrumar outra casa” foi tudo o que eu pude dizer. E fiquei pensando em como arrumar outra casa. Comprar jornal, visitar o local, conversar com o dono, fazer contrato, arrumar fiador. Isso não é tão fácil.
Limpamos a casa, ou ao menos tiramos a maior parte da sujeira, conversando sobre o dia seguinte. Que faríamos com toda a comida que estava pronta? Deveríamos ligar para nossos amigos e desmarcar a festa? Havia algo para comemorar depois disso tudo? Sim, havia. Estamos vivos. Não perdemos nada. Com minha mãe eu aprendi que não se deve deixar de comemorar a vida, não importa o que tenha acontecido. Dormimos na casa da minha avó.
No sábado pela manhã, ainda tomando café, minha avó me disse que havia encontrado Gelson. Gelson é um grande amigo da minha família. Mudou-se para o condomínio na mesma época que meus pais, e passei toda a minha infância brincando com Leo, o filho deles. Gelson mudou-se para Pendotiba há algum tempo, e seu apartamento estava vazio. E foi nesse apartamento que eu acordei no domigo.
Acordei transformado. Percebi minha pequenez. A amizade de Gelson e Janete, o amor de minha vó, a providência divina. Minha vida. Minha esposa. Meus amigos. Dinheiro não compra isso. Inteligência não conquista isso. Meus planos nunca dariam conta disso. Fizemos a festa. Comemoramos a vida e o novo lar.
Os planos de Deus são perfeitos. Obrigado Senhor, por se importar comigo, vil criatura, pequeno e frágil, mas tão prepotente. Tenha misericórdia de nós, teus filhos, e usa-nos para Tua obra. Usa-nos para resgatar aqueles que não Te conhecem. Usa-nos para mostrar que a chuva, com todo o estrago que traz, não é punição Sua, mas conseqüência dos nossos atos impensados. Usa-nos para que todos possam ver que, apesar de nossos pecados, apesar de nossas falhas, não estamos sozinhos. Usa-me para mostrar ao mundo o Teu Amor.
Obrigado meu Pai. Amém.
5 Comments:
Amém.
Deus cuida e provê!
Foi uma lição forte e linda para todos nós! Depender somente de Deus.
E devo confessar que nunca havia visto uma mudança em tão poucas horas! 4 no máximo! Pareciam várias formiguinhas! rs
Com isso e com a lição que redescobri na peça 'Eclesiastes', aprendi que as vidas são o que temos, as vidas são do que devemos cuidar, precisamos uns dos outros, dos amigos, dos irmãos, e acima de tudo, de Deus.
O resto é vaidade...
Grande beijo em vocês, contem sempre comigo.
Marcelo e Djinha
conta pra ela qdo chegar tá).
Acho que o "enfrentar tempestades" ganhou um novo significado para todos nós.
bjo gde. Amo vocês!
Fiquei tocado.
Quis elogiar o texto, mas não foi bem o texto que mexeu comigo.
Foi algo dentro dele.
Que Deus continue abençoando vocês.
Um beijo forte do cumpádi.
uau!nao ha palavras...cada momento do texto vc espera pelo proximo anciosamente,como num livro,e nao so por isso...agente nem inaugurou aquela casa...quantos ensaios vcs nao faltaram em funçao da casa toda laranja de vcs?e a imagem de dja chorando no muro e a segurança q eu sei q ela sentiu ao seu lado...me encheram os olhos de agua...q Deus continue a abençoar vcs.amo-vos
É, e equanto vocês pessoas celebravam a vida, eu estava longe, trabalhando. Quanto da vida a gente não perde tentando ganhá-la, não é mesmo?
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